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No segundo semestre de 2021, Guilherme do Val Toledo Prado e eu oferecemos um curso de Difusão Científica pela Escola de Extensão da Unicamp – Extecamp e, no último dia, de avaliação final, surgiu a proposta desta carta, endereçada à Extecamp. Para nós, docentes do curso, foi tudo uma grande emoção – as aulas, a convivência fraterna com a turma e, por fim, a carta! Agradecemos muito a parceria incrível e solidária de duas grandes pesquisadoras que fizeram participações especiais nas aulas: Renata Barrichelo e Maíra Libertad Soligo Takemoto.

Confiram, a seguir, a carta na íntegra.

Prezada Equipe da Extecamp,

Sou Irlane Valéria de Oliveira, professora da Educação Básica na rede municipal de Salvador, fui aluna do Curso de Extensão Edu-0281 Professoras e Pesquisas: Aprofundamento Teórico-Metodológico e, com a colaboração de Ionildes da Cruz Oliveira e Susana Felix, também alunas do curso, redigi esta carta de avaliação e de solicitação que foi, em seguida, assinada também pelos colegas da turma.

Encerramos o curso em 23 de novembro de 2021, com um profundo sentimento de gratidão e também com algumas reflexões que consideramos importante apresentar à Universidade.

A confirmação da realização do curso de extensão, ministrado pelo Professor Guilherme do Val Toledo Prado e pela Professora Rosaura Soligo, despertou em nós, professoras, uma esperança sem precedentes em relação a uma atividade acadêmica. No dia da inscrição, às 00:025h, já havia 08 (oito) inscritas, em apenas 25 minutos da abertura do processo de inscrição.

A maioria das pessoas inscritas no curso é composta por mulheres, sendo muitas professoras das periferias, negras, de diversas cidades do nosso País. Para muitas de nós, pensar em Universidade era o limiar entre viver e sobreviver às mais diversas condições que uma mulher, sendo preta, precisa superar em um país machista, racista, onde a condição de retinta, a toda hora, exige provar conhecimento e competência. Mas o que falta mesmo são oportunidades e políticas de afirmação que ajudem a superar uma longa história de dor, luta e violência.

Acreditamos que a Extecamp talvez não tenha a dimensão de tudo que esse curso online nos possibilitou. A iniciativa foi fundamental por muitas razões, das quais destaco as três principais. Uma é que, por ser online, “diminuiu a distância” entre cidades e pessoas tão diferentes. Outra é a qualidade dos encontros e da aproximação entre o falar e o fazer da experiência cotidiana que orientaram a abordagem dos conteúdos desenvolvida pelos docentes do curso. E outra razão é por nos possibilitar conviver no mundo acadêmico, do qual muitas de nós, professoras da Educação Básica, não nos sentíamos parte, e tomar a nossa própria prática como referência para construir essa nova realidade que desejamos que um dia, não muito distante, seja de todos e para todos. Desejamos ser instrumentos de transformação das duras realidades que aí estão, e é nesse tipo de Universidade que acreditamos.

Agradecemos os Professores Guilherme do Val Toledo Prado e Rosaura Soligo que – em sua imensa generosidade e luta incessante pela educação pública, gratuita e de qualidade – se uniram às Professoras Renata Barrichelo e Maíra Libertad Soligo Takemoto para realizar esse empreendimento e por acreditarem, todos, em nós, professoras da Educação Básica.

De forma acolhedora, propositiva e realmente participativa, as teorias e metodologias de pesquisa foram sendo apresentadas através de conversas sobre nossas experiências, vivências e saberes. Nossas dificuldades, angústias e medos foram ouvidos e acolhidos pelo grande grupo, e também nos subgrupos, nos ajudando a conhecer melhor nossos colegas, a compartilhar o que já sabíamos e a aprender o que não sabíamos. Assim, crescemos juntos, mais fortes e criamos laços para além da UNICAMP!

Duas afirmações dos docentes foram um marco desde o início do curso:

“A produção de conhecimento a partir de uma questão real, a busca de interlocutores para entender melhor ou resolver essa questão, a sistematização do que é possível avançar no diálogo com esses interlocutores e a organização de um registro para compartilhar a experiência vivida com outros, e favorecer a ampliação do conhecimento de todos, configura um processo de pesquisa”.

“Uma professora que pesquisa pode desenvolver e aprimorar a proposta pedagógica realizada com os seus estudantes. Nós queremos contribuir para que existam muitas professoras pesquisadoras”.

Assim pudemos compreender que a pesquisa não se restringe apenas ao mundo acadêmico, aos cursos oficiais de pós-graduação, e que a produção de respostas para as questões do nosso cotidiano de professoras, vividas na sala de aula com os alunos, amplificadas pelo encontro e pelo diálogo com outros autores, também representa um conhecimento importante, válido, legítimo, que pode e deve ser compartilhado.

Foram grandes aprendizados ao longo de dez encontros muito especiais e compartilhamos, a seguir, aqueles que consideramos mais importantes no momento:

Produzir um projeto de pesquisa é relativamente fácil, desde que se tenha real desejo em investigar algo. Nem todas as pessoas tem a mesma facilidade de escrita, por isso analisar a própria realidade e perceber o que inquieta é o primeiro passo. Passar por um processo de pesquisa e de escrita acadêmica pode ser bastante penoso se não houver interesse e desejo suficientes para encarar os desafios. É preciso ter segurança quanto ao problema posto, formular uma boa pergunta, verificar se essa já não foi a inquietação de outro pesquisador e analisar as respostas por ele encontradas. Ele falou sobre tudo que pode ser dito sobre esse tema? A nossa própria realidade tem alguma peculiaridade que a dele não tinha? A forma que ele escolheu para realizar a pesquisa é a mesma que desejamos adotar? Se tudo indicar para uma nova perspectiva, então está valendo. Se não, repetir algo que já foi feito talvez não valha a pena e, provavelmente, não será considerado relevante.

É muito importante investigar as linhas de pesquisa das instituições e priorizar aquelas que possuem abordagens mais afinadas com a própria forma de pensar. Conhecer o corpo docente de cada grupo de pesquisa também é válido, e o que cada professor se dedica a estudar, a forma como faz, o estilo de suas publicações, a forma como se relaciona com a pesquisa acadêmica. Então será preciso escrever o projeto com uma base sólida, ao mesmo tempo condizente com o próprio desejo de pesquisa e com os parâmetros da instituição.

Esses foram, dentre muitos, os aprendizados mais relevantes que achamos oportuno destacar neste momento.

Parabenizamos a UNICAMP por essa belíssima iniciativa e solicitamos à Extecamp a manutenção da modalidade de cursos online como esse do qual participamos, mesmo após o fim da pandemia, não só por nós, professoras, mas – principalmente – pelas vidas que esses estudos alcançam e beneficiam: de nossas crianças e dos jovens mais vulneráveis.

Gratidão é a palavra que nos define.

Atenciosamente,

Irlane Valéria Oliveira
e demais colegas da turma